A Guardiã da Estabilidade: Nos Bastidores da Batalha de uma Advogada pelos Direitos do Servidor Público
A sala de espera de Paola Araujo, no centro da capital, não tem o luxo de mármore ou o silêncio impessoal dos grandes escritórios da Faria Lima. O que se ouve é o zumbido de uma cidade que não para e o folhear ansioso de documentos. As paredes são forradas de diplomas e decisões judiciais emolduradas, mas o que realmente conta a história são os rostos que por ali passam. Professores, policiais, agentes de saúde. Gente que dedicou a vida ao Estado e que, de uma hora para outra, se vê em uma encruzilhada.
Paola Araujo, com 15 anos de advocacia cravados na pele e um olhar que desarma qualquer um, sabe o que esses rostos buscam. Não é uma fortuna, não é um milagre. É justiça. Ou, na maioria das vezes, apenas o que já era seu por direito.
“Ninguém entra no serviço público pra ficar rico, jornalista. A pessoa entra buscando uma coisa chamada estabilidade. Uma promessa de que, se ela cumprir o dever dela, o Estado vai cumprir a sua parte”, ela me diz, ajeitando uma pilha de processos que ameaça desabar sobre a mesa de madeira escura. “O problema é que, de tempos em tempos, o Estado esquece. E aí, bom… aí eles me ligam.”
E o telefone não para de tocar.
A Burocracia Como Campo de Batalha
O inimigo, na maioria das vezes, não é uma pessoa. É um sistema. Um emaranhado de portarias, decretos, leis complementares e entendimentos de tribunais que mudam ao sabor do vento político. Para o servidor comum, é o labirinto do Minotauro. Para Paola Araujo, é o tabuleiro de xadrez onde ela joga todos os dias.
“Você pega o caso de um policial civil, por exemplo”, ela explica, enquanto busca um documento específico. “O cara passou anos trabalhando em condições insalubres, com risco de vida, tudo devidamente comprovado. A lei garante a ele uma aposentadoria especial. Parece simples, não é?”
Uma pausa. Um gole de café.
“Mas aí vem uma nova diretriz da secretaria de planejamento. Um parecer da procuradoria. Uma vírgula fora do lugar num laudo emitido há dez anos. E o direito do homem vira fumaça. Meu trabalho é encontrar o caminho de volta, no meio dessa fumaça toda.”
O caminho, quase sempre, é longo e caro. Envolve uma paciência de monge e uma teimosia de dar inveja. É um trabalho de formiga, de juntar papel por papel, de provar o óbvio. Uma luta contra a inércia de uma máquina pública que, por vezes, parece desenhada para frustrar o próprio funcionário.
Colocar na ponta do lápis o custo emocional disso tudo é impossível. São noites sem dormir, a ansiedade de um processo que se arrasta por anos, a sensação de ser traído pelo empregador para o qual se dedicou uma vida. “Olha, a gente… a gente se sente um número, sabe? Um problema a ser resolvido, e não uma pessoa”, desabafa Márcio, professor da rede estadual há 22 anos, que briga na justiça pelo reenquadramento de sua carreira, congelada há quase uma década. “A doutora Paola foi quem me deu esperança de que alguém estava, finalmente, me ouvindo.”
Entre Reformas e Incertezas: O Futuro do Serviço Público
O cenário se tornou ainda mais complexo nos últimos anos. As chamadas “reformas administrativas” и os constantes ajustes fiscais colocaram o servidor público no centro de um debate nacional acalorado. Para o governo, são medidas necessárias para modernizar a máquina. Para quem está na ponta, como os clientes de Paola Araujo, a palavra soa como ameaça.
“O discurso que se vende é o do privilégio. Mas que privilégio tem uma professora que ganha três mil reais por mês pra lidar com quarenta alunos numa sala de aula superlotada? Ou o agente de saúde que entra em áreas de risco sem a estrutura adequada?”, questiona a advogada, com uma ironia amarga.
Ela não é uma otimista ingênua. Sabe que a máquina pública tem, sim, suas distorções e que precisa de ajustes. O que a inquieta é a forma como o debate é conduzido, jogando todos na mesma vala comum e fragilizando direitos que foram conquistados com muita luta.
No fim das contas, o trabalho de especialistas como Paola Araujo vai além da técnica jurídica. É uma espécie de termômetro social. Em seu escritório, o jargão do “serviço público” ganha nome, sobrenome e história. Histórias de quem acreditou numa promessa e que, agora, precisa de um advogado para garantir que ela seja cumprida.
Enquanto eu me despeço, um novo cliente chega. Um senhor de cabelos brancos, com uma pasta de documentos surrada debaixo do braço e um olhar de quem carrega o peso do mundo. Paola Araujo o cumprimenta com um aceno de cabeça e um sorriso discreto. A batalha do dia está apenas começando. E, pelo visto, o telefone dela vai continuar tocando por um bom tempo.