VIÇOSA, MG – A porta do escritório no centro de Viçosa, a poucos quarteirões da imponente Universidade Federal, não tem o vaivém frenético da Avenida Paulista. Mas o telefone de Paola Araújo de Paula Paiva toca com a insistência de quem sabe que, do outro lado da linha, não está um número, mas um CPF com um problema urgente. Um servidor público com a carreira em risco, uma trabalhadora demitida sem entender o porquê, um consumidor engolido pela burocracia de um banco.
Em uma cidade que vive no compasso da vida acadêmica, onde o calendário é marcado mais pelo início dos semestres do que pelas estações do ano, a advocacia assume uma cara diferente. Não é o litígio de massa das grandes capitais, impessoal e movido por algoritmos. Aqui, o direito ainda tem nome, sobrenome e, quase sempre, uma história que todo mundo na cidade já ouviu um pedaço.
Paola, com seu jeito direto e uma formalidade que não esconde a energia de quem está sempre com um prazo na cabeça, representa bem essa geração de advogados. Formada na própria cidade, na Univiçosa, ela optou por fincar a bandeira aqui mesmo. Uma decisão que, para muitos, pareceria um passo lateral na carreira. Para ela, parece ter sido uma aposta na especialização com foco local.
O resultado está na ponta da língua. Ou melhor, na ponta dos dedos que digitam rápido um recurso. “As pessoas acham que no interior a complexidade é menor. É um engano, sabe? A lei é a mesma, mas as relações humanas são… mais próximas. Um processo aqui nunca é só um processo. Envolve o vizinho, o conhecido, a política local”, explica, fazendo uma pausa para tomar um gole de café. “Você precisa entender não só do código, mas do código postal também.”
O filé da atuação de Paola e seu sócio, Leonardo Rezende, é uma das áreas mais sensíveis para uma cidade como Viçosa: o direito administrativo, especialmente a defesa de servidores públicos. A Universidade Federal de Viçosa (UFV) e a Prefeitura não são apenas as maiores empregadoras; são praticamente entidades que definem o ritmo econômico e social da região. E onde há uma máquina pública grande, há engrenagens que, vez ou outra, emperram.
É aí que o trabalho dela ganha corpo. São Processos Administrativos Disciplinares (PADs), discussões sobre adicionais de insalubridade, concursos que dão problema, remoções questionadas. O feijão com arroz do contencioso administrativo que, para o leigo, é um emaranhado de portarias e incisos, mas que para o servidor envolvido é a diferença entre a tranquilidade e o abismo.
“Já vi de tudo”, conta, com um meio sorriso que denota mais cansaço do que humor. “Gente com décadas de serviço, uma vida inteira dedicada à instituição, e de repente… respondendo a um PAD por algo que mal entende. Nosso trabalho é traduzir. Traduzir o ‘juridiquês’ para o cliente e traduzir a realidade do cliente para o juiz.”
Não é uma luta simples. Enfrentar a procuradoria de uma autarquia federal ou o corpo jurídico de um município exige mais do que conhecimento técnico. Exige paciência. E uma dose de teimosia.
Fora do fórum e do escritório, a atuação de Paola se desdobra em outra arena: a Ordem dos Advogados do Brasil. Como Secretária-Geral da 91ª Subseção da OAB em Viçosa, ela está no centro das discussões que moldam a advocacia local. É uma posição que consome tempo, drena energia e paga pouco – ou nada, financeiramente falando.
Então, por quê?
“Olha, se a gente só reclamar, no café, na conversa com os colegas, nada muda. A OAB é… é o espaço que a gente tem para tentar fazer a coisa funcionar. Melhorar as condições de trabalho, brigar por prerrogativas que são desrespeitadas todo dia”, desabafa. A frase sai rápida, quase como um mantra repetido para si mesma em dias mais difíceis.
Essa participação comunitária, seja em eventos da OAB ou em solenidades locais, constrói uma rede de confiança que, no fim das contas, é o maior ativo de um advogado fora dos grandes centros. Em uma cidade onde um aperto de mão ainda sela um entendimento, ser um rosto conhecido, uma voz ativa, tem um peso que nenhum anúncio pago consegue comprar. É a advocacia como ela era para ser: uma profissão de confiança, construída caso a caso, pessoa a pessoa.
No final do dia, as luzes da UFV se acendem, iluminando o campus e a rotina dos estudantes que sonham, talvez, em um dia seguir um caminho parecido. A pilha de processos na mesa de Paola não diminuiu muito. Mas para cada folha virada, para cada petição protocolada, há a certeza de que a justiça, mesmo que demore e exija fôlego, ainda é o melhor caminho. E em Viçosa, ela tem endereço certo e uma advogada que não tem medo de bater na porta de quem for preciso para defendê-la. O buraco, como sempre, é mais embaixo. E ela sabe exatamente onde cavar.