Lembro-me claramente da vez em que acompanhei uma amiga ao fórum para protocolar um pedido de guarda. Ela estava exausta, assustada e sem saber por onde começar — e eu também senti o peso do assunto, mesmo não sendo advogado: vi no rosto dela a mistura de alívio e medo de perder o filho. Na minha jornada cobrindo casos de família e acompanhando decisões judiciais, aprendi que a palavra “guarda” carrega mais prática do que teoria: é sobre rotina, decisões do dia a dia e, acima de tudo, sobre o bem-estar da criança.
Neste artigo você vai entender, de forma clara e prática, o que é guarda unilateral, quando ela é aplicada, quais são os direitos e deveres do guardião, como é o processo judicial e o que fazer na prática para buscar ou contestar uma guarda unilateral. Vou trazer exemplos reais, checklist de documentos, e respostas para as dúvidas mais comuns.
O que é guarda unilateral?
Guarda unilateral é quando a responsabilidade pela criança ou adolescente fica atribuída a um só dos pais (ou a um terceiro), que passa a ter a guarda física e/ou legal. Em termos simples: uma pessoa assume a rotina diária, a moradia e, muitas vezes, a maior parte das decisões do cotidiano.
Importante diferenciar termos:
- Guarda física: onde a criança mora e quem cuida diariamente.
- Guarda legal (ou de autoridade): quem toma decisões importantes sobre saúde, educação e religião.
- Guarda compartilhada: quando ambos os genitores dividem responsabilidades e decisões (preferência legal, quando possível).
Por que a guarda unilateral é concedida? (os motivos mais comuns)
O juiz decide buscando sempre o melhor interesse da criança. Guarda unilateral costuma ser concedida quando:
- Um dos genitores tem conduta comprovadamente prejudicial (violência, abuso, dependência química).
- Houve abandono afetivo ou financeiro.
- Existem condições que impedem o exercício responsável da parentalidade.
- Quando a convivência compartilhada é inviável por motivos de saúde, trabalho em turnos incompatíveis, distância extrema, ou risco para a criança.
Exemplo prático
Conheci um caso em que a mãe trabalhou em turnos e cuidava integralmente do filho desde bebê. Após uma separação conflituosa, o pai pedia guarda compartilhada, mas o juiz manteve a guarda unilateral para a mãe porque a mudança de rotina colocaria a criança em risco psicológico e afetaria seu tratamento de saúde. Resultado: visitas regulamentadas, com supervisão e horários definidos.
Guarda unilateral x guarda compartilhada — qual a diferença na prática?
A guarda compartilhada é o princípio preferido pelo ordenamento jurídico brasileiro (Lei nº 13.058/2014), mas não é obrigatória quando a situação concreta impede sua aplicação. Guarda unilateral significa menos participação direta do outro genitor nas decisões cotidianas; mas não necessariamente a perda do direito de visita ou de obrigação alimentar.
Quem pode pedir guarda unilateral?
- Um dos pais, através de ação judicial.
- Terceiros (avós, parentes) podem pedir guarda quando houver justa causa ou risco para a criança.
- O Ministério Público atua sempre que houver interesse de incapaz.
Como é o processo judicial — passo a passo prático
Se você está pensando em pedir guarda unilateral, segue um roteiro prático:
- Reunir documentos: certidão de nascimento, documentos pessoais, comprovantes de residência, provas de convivência (fotos, mensagens), provas de risco (boletins, laudos), declarações escolares e médicas.
- Consultar um advogado ou a Defensoria Pública — eles conduzirão a petição inicial.
- Protocolo da ação de guarda na Vara de Família. O juiz pode determinar medidas protetivas, estudo psicossocial, perícia e audiência de conciliação.
- O Ministério Público será ouvido quando envolver menor.
- Sentença: o juiz decide pela guarda unilateral, compartilhada, ou outra medida (regulamentação de visitas, atribuição de alimentos).
- Possível recurso, se uma das partes não concordar.
Documentos essenciais (checklist)
- Certidão de nascimento da criança.
- RG e CPF dos pais e do guardião proposto.
- Comprovantes de residência.
- Relatórios médicos e escolares.
- Provas de risco (BO, laudos, fotos, testemunhas).
- Declaração de rendimentos para questões de pensão alimentícia.
Direitos e deveres do guardião em guarda unilateral
- Direito de residir com a criança e organizar sua rotina.
- Tomar decisões cotidianas — e, se atribuído, decisões de maior relevância (educação, saúde).
- Dever de prover sustento e zelar pelo desenvolvimento físico e emocional da criança.
- Facilitar o convívio com o outro genitor, salvo em situações de risco.
Visitas e convivência: como funciona quando há guarda unilateral?
Mesmo com guarda unilateral, o outro genitor mantém, em regra, o direito de convivência, salvo decisão judicial contrária por risco comprovado.
Visitas podem ser livres, assistidas, ou com restrições de horários. O objetivo é preservar o vínculo afetivo, desde que não haja perigo para a criança.
O que pode fundamentar pedido de modificação da guarda?
Circunstâncias mudam. Mudança de trabalho, recuperação de dependência química, melhora na relação entre pais ou, inversamente, novo risco comprovado, podem levar a pedido de revisão da guarda.
Quando procurar ajuda urgente?
- Em casos de violência física ou sexual: procure delegacia especializada e medidas protetivas (Lei Maria da Penha também aplica-se a mães).
- Se o outro genitor tentou sequestrar a criança: BO e contato imediato com o fórum.
- Se existir perigo iminente à integridade física ou psicológica: pedir liminar no processo de guarda.
Como preparar uma audiência de guarda — dicas práticas
- Leve documentos organizados e cópias para o juiz e para o Ministério Público.
- Se possível, leve testemunhas que possam narrar a rotina e comprovar vínculos.
- Mantenha a calma: discursos agressivos costumam prejudicar a avaliação do magistrado.
- Se solicitado, aceite avaliações psicossociais e periciais — elas são centrais para a decisão.
Casos controversos e opiniões divergentes
Existe debate entre especialistas sobre até que ponto a guarda unilateral protege ou limita o desenvolvimento afetivo. Alguns defendem que a guarda compartilhada é a melhor regra, pois evita alienação parental. Outros alertam que a guarda compartilhada pode ser inviável em contextos de violência doméstica.
Transparência: não há solução única. O que funciona em um caso pode ser nocivo em outro — por isso o juiz analisa as peculiaridades do caso concreto.
Recursos úteis e onde buscar orientação
- Defensoria Pública — assistência para quem não pode pagar advogado.
- Varas de Família — nos sites dos tribunais estaduais você encontra orientações e modelos.
- Centros de referência em assistência social e serviços de saúde mental para crianças.
- Leis e orientações: Código Civil, Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), e Lei nº 13.058/2014 sobre guarda compartilhada.
FAQ rápido
- Guarda unilateral significa perder os direitos sobre a criança? Não. O guardião assume a responsabilidade principal, mas o outro genitor mantém direitos, como visitas e obrigação de pagar pensão, salvo decisão judicial em contrário.
- Posso pedir guarda unilateral se o outro genitor mora em outra cidade? Sim. Distância e incompatibilidade de horários podem fundamentar o pedido, especialmente se a mudança prejudicar a criança.
- Quanto tempo demora o processo? Depende do caso: pode variar de meses a anos, conforme provas, perícias e recursos.
- É possível reverter a guarda? Sim. Mudanças comprovadas na situação podem levar à revisão da guarda.
Resumo e conselho final
Guarda unilateral é uma medida que busca proteger o melhor interesse da criança quando a convivência compartilhada não é viável. Envolve avaliação ampla do contexto familiar, provas e, muitas vezes, intervenção de profissionais (psicólogos, assistentes sociais). Documentação organizada, suporte jurídico e foco no bem-estar da criança aumentam suas chances de uma decisão justa.
E você, qual foi sua maior dificuldade com guarda unilateral? Compartilhe sua experiência nos comentários abaixo — sua história pode ajudar outra família.
Fonte consultada: Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e textos legais disponíveis no Planalto (Código Civil e ECA). Para leitura complementar e orientações práticas veja também notícias e materiais do CNJ (https://www.cnj.jus.br).